Em pesquisa do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística), de 2012, 8% dos brasileiros declararam-se vegetarianos.
Para os adultos, de acordo com médicos defensores desse tipo de
alimentação, a vantagem é que ela atuaria na prevenção de algumas
doenças relacionadas ao envelhecimento, como hipertensão, aterosclerose,
diabetes e câncer, por diminuir o teor de gordura saturada no corpo. No
caso das crianças, a opção por um cardápio sem carne sempre foi uma
questão polêmica.
Por ser mais pobre em aminoácidos, ferro heme
(tipo de ferro mais facilmente absorvido pelo organismo), zinco, ômega 3
(espécie de gordura que, em bebês, favorece o desenvolvimento
cerebral), e vitaminas D e B12, a dieta vegetariana poderia comprometer o
crescimento infantil. Roberto Carlos Burini, professor do Centro de
Metabolismo em Exercício e Nutrição da Faculdade de Medicina da Unesp
(Universidade Estadual Paulista) de Botucatu, é um dos que desaconselha o
vegetarianismo em sua forma mais restrita no caso de crianças,
adolescentes e também gestantes.
"Faltam aos vegetais nutrientes
essenciais a organismos em crescimento e desenvolvimento. O risco é
maior para o vegetarianismo estrito ou vegano –que não aceita nenhum
alimento de origem animal– e muito menor para a dieta
ovolactovegetariana", afirma.
A nutricionista Sophie Deram,
doutora em endocrinologia e pesquisadora do Ambulatório de Transtornos
Alimentares do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo),
concorda. Ela afirma que nas proteínas de origem animal há nutrientes
difíceis de serem achados em outros alimentos. "É o caso da vitamina
B12, da vitamina D, do cálcio e do ferro. O cálcio e o ferro de origem
vegetal têm pior absorção."
Sophie explica que a falta de
vitamina D ou cálcio pode levar ao raquitismo, doença que provoca o
enfraquecimento dos ossos. A vitamina B12 é importante para a manutenção
das células do sangue e o desenvolvimento cerebral. Sua carência pode
provocar distúrbios neurológicos e anemia. A falta de ferro, nutriente
associado à produção de glóbulos vermelhos e ao transporte de oxigênio
dos pulmões para as células do corpo, também pode resultar em anemia.
"As crianças com menos de cinco anos e as meninas que estão na puberdade
têm maior risco de ficarem anêmicas."
A nutricionista do Hospital das Clínicas diz que as crianças têm o
metabolismo acelerado e precisam de muitos nutrientes para se
desenvolver. Contudo, o apetite delas é pequeno e, por isso, elas
precisam de alimentos de qualidade. Segundo ela, os vegetais contêm
muitas fibras e podem saciar uma criança antes de nutri-la o suficiente.
"Temos de respeitar as convicções de cada um, e é nosso dever
acompanhar sem julgar, mas é sempre bom avisar que o caminho não é fácil
para quem quer criar filhos em uma dieta que limite proteínas de origem
animal. É necessária muita cautela", declara Sophie.
O
acompanhamento nutricional, a realização de exames médicos periódicos e,
quando necessário, suplementações vitamínicas, são as recomendações
básicas para quem risca carne, leite e ovos do cardápio.
Acompanhamento nutricional
O produtor cultural Ronaldo Palleze, 45, tornou-se vegano por questões
ideológicas e seu filho, Venâncio, atualmente com sete anos, já nasceu
adepto dessa dieta. Para garantir que o menino tenha uma dieta
equilibrada, Palleze busca informação em livros e sites especializados e
conta com o acompanhamento de nutricionista. Em suas pesquisas sobre o
assunto, ele descobriu que o CRN-3 (Conselho Regional de Nutricionistas
da 3ª Região - São Paulo e Mato Grosso do Sul) emitiu, em 2012, um
parecer técnico em favor de dietas veganas, "desde que bem planejadas e,
se necessário, suplementadas".
A pedagoga
Betsy Fischer, 31, também teve ajuda de nutricionista para elaborar o
cardápio das filhas Chloe, 7, e Kalyah, 6 meses, "vegetarianas desde o
ventre". Betsy adota a dieta lactovegetariana desde os 16 anos por
questões religiosas. "A rotina alimentar é tranquila e não encontramos
quaisquer dificuldades. Na festinha de aniversário da mais velha tem de
tudo: bolos, cupcakes, coxinhas, pães de queijo, quibes... tudo
vegetariano. A maioria dos convidados acaba nem percebendo."
Betsy foi uma das pacientes da nutricionista Ana Paula Pacífico Homem,
mestre em bioquímica pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais),
especialista em nutrição materno-infantil pela Unifesp, com experiência
no atendimento de gestantes e crianças vegetarianas.
Equilíbrio no prato
Para as crianças, o cardápio é elaborado com base na idade e nas
necessidades nutricionais específicas de cada fase. Mas algumas
recomendações são comuns, como a oferta de uma fruta rica em vitamina C
(como laranja, goiaba ou mexerica) logo após as refeições, para ajudar
no aproveitamento do ferro vegetal.
"Também aconselho que se
evite o consumo de sobremesas lácteas após as refeições, pois os
laticínios atrapalham a absorção de ferro", diz Ana Paula.
Outra
dica da nutricionista é deixar os feijões (lentilha, ervilha,
grão-de-bico, feijão preto, feijão roxo) e cereais (arroz, quinoa,
canjiquinha de milho) de molho em água por oito a 12 horas antes de
cozinhar, para melhorar a assimilação do ferro, zinco e cálcio pelo
organismo.
Com alguns cuidados essenciais e uma boa orientação, a
nutricionista afirma que a dieta vegetariana não traz quaisquer
prejuízos ao desenvolvimento das crianças.